Escleromorfismo Oligotrófico - Poemas / V. L. Guimarães Lobo
Dedico essa obra ao Cerrado ainda nativo
e resistindo com sua flora e fauna naturais.
E ainda, a todo Cerrado que pudermos recuperar
para as futuras gerações. De bichos... e de gente.
V. L. Guimarães Lobo
PREFÁCIO
por Joaquim Pedro Ferreira Neto
Poeta
Mas será Benedito?!! Será Bem dito. Ossain, o senhor das plantas, a me acordar para este encanto que é ouvir, lendo o silencioso correr das letras em subterrâneas águas deste ser errado que no solo, solo cresce, enviesado resistindo à aridez desta sociedade bbb em msn/zap.
Ah! “De médico, poeta e louco todos temos um pouco”,
porém, metade exilada de mim saiu pela porta do quarto que estava aberta, e em romaria meus sentimentos, e fluem resistindo ao vazio da vida, quiero correrme em sus ojos, desatar o cadarço que aperta-me os ipês descalços e valsar uma pequena valsa.
Quase farsa.
Num breve currículo escleromórfico o poeta entregador de marmitas, sujeito de três sujeitos, circunflui num sarcasmo, resistente, sem armas de fogo ou corte, forma imagens nas páginas brancas que herdou ao nascer, sinto-me livre lendo teu ledo.
Do pó vermelho que nos constitui, o poema se faz, espalhando sementes. Arquitextura.
O Lobo poeta Guará é, e em teus versos, versa, levanta bandeiras contra o desamor que há. Makuna contra o trato insignificante que damos ao outro. A cultura de um outro. Queimadas exalando odor da dor. Tamanduá, num abraço apertado.
Tomar um banho de cachoeira e feito menino faceiro, zombar de toda ode ao mal. Zumpoema a pictografar.
Há um templo tempo, poemar. Para falar de es-cre-ver, feito filho da vida, errante me tornei ao lê-lo, quixotescamente o segui pelas paisagens da existência humana. Resistência. Re-
siliência...
POSFÁCIO
por Samuel Giacomelli
Ator, Poeta e Dramaturgo
Abrir este livro e passear por suas páginas foi como reencontrar velhos amigos e lugares conhecidos.
Cada poema, alguns já guardados em mim em algum canto de memória ou de afeto, me veio à tona como o espanto dos encontros verdadeiros – aqueles que, mesmo anunciados, conseguem ainda nos surpreender.
E que alegria vê-los agora ganhando corpo no papel!
Porque alma já possuem desde sempre. Alma lapidada por alguém que escreve com o sangue das raízes, com a pele (crua?) do tempo, com o fôlego da terra, e te entrega palavras sempre muito bem temperadas.
E como é bom reconhecer o Poeta-Lobo nestas páginas: inteiro e fragmentado, mestiço e múltiplo, irônico e profundo, refletido em espelhos, em calçadas, no brilho dos automóveis, em árvores tortas que brotam da aridez.
Sempre enxerguei nele algo dessa vegetação cerratense – ele que parece ter escolhido ser torto na vida, trançando sua existência a existências múltiplas, cultivando uma pequena valsa estática de infinitos movimentos em espiral, conectado ao profundo, e aspirando resistente e resiliente alcançar as andorinhas no firmamento.
Há nele uma abundância de Uberlândias inteiras com seus buracos e becos, suas esquinas e edifícios, seus viadutos e praças. A poeira vermelha, o Sol pungente, os Ipês em flor, os ônibus que não passam.
E o poeta não passa ileso aos combates – a filha que ensina a leveza, o adeus a alguém amado, a passagem do tempo e a imponência do passado. O erotismo, a política, a paternidade, o cansaço, a paixão. E não caminha sozinho. Evoca os artistas da nossa terra, os amigos que foram embora, os mestres que ainda falam por sua boca. Seus autores lidos e relidos — e também os esquecidos, os marginais, os abandonados. Todos estão vivos nestas linhas, incluindo os mortos. Cada poema aqui pulsa com o chão que nos sustenta.
Escleromorfismo Oligotrófico é chão e destino. É homenagem e rito. É semente e queimada. É para quem nasceu aqui e se foi, para quem chegou de longe e ficou, para quem está e para quem virá.
Um livro que escava o passado e fareja os ventos de um futuro possível, enquanto eterniza o presente, em um raro estado de graça, como um pôr do sol em mil tons de roxo e alaranjado que só pode ser visto por aqui, de um certo ângulo, num certo dia seco do mês de agosto, se não estiver nublado.
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BREVE CURRÍCULO
filho de Tupã
irmão de Jesus
amante de Iemanjá
razão Navegante
alma Tupi
coração Nagô
cabeça Vermelha
tronco Branco
membros de Ébano
boca de África
olhos de América
nariz Português
Eu: 100% Mestiço
Sou um rei andrajo das frases de efeito.
Discípulo errático de cinco perfeitos:
Um Anjo Torto a me guiar pelas ruas;
Um Anjo Pornográfico dos buracos das fechaduras;
Um Machado sarcástico a cortar sem ter sangue;
Um Poetinha inzoneiro das penas do mangue;
E de um Chico brasileiro, feminino como luvas de boxe.
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O POETA
O Poeta é aquela
Que acorda as pessoas
E, vamos combinar
Que ser acordado,
Dificilmente,
É algo agradável.
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POEMA DE TRÊS SUJEITOS
Olhei para um canto sujo do quarto
Onde canetas que não mais escreviam
Eram jogadas fora
Três Eus me olhavam de volta:
Eu, o Pai
Eu, o Filho
Eu em pranto.
Em lençóis sujos manchados de gozo
Onde amores que não mais existiam
Eram lembrados agora
Três Eus me olhavam de volta:
Eu, o Pai
Eu, o Filho
Eu encanto.
Corri ao reflexo sujo do espelho
Onde marcas que não mais se escondiam
Eram vistas sem demora
Três Eus me olhavam de volta:
Eu, o Pai
Eu, o Filho
Eu espanto.
Passado por debaixo da porta
Presente na rua que aporta
Em cada esquina uma vida vazia
Um punhal nas costas e três atos de covardia:
O amor negado;
O amor roubado;
O amor banido.
Esgueirando tal sombra incógnita
Cheirando qual um cão na chuva
Três partes de um todo insólito
De minha humanidade turva:
Aquele cético;
O outro pródigo;
Este lascivo.
Cercado por Heras e Bacos,
Punido por Ninfas e Górgonas,
Num labirinto entre o pó e o barro
Três hastes de uma só Quimera:
A impiedade de Hades;
A ira de Ares;
O desprezo de Asterion.
Sentado na cova que escava
Tão sujo como quando amava
Aceso o último cigarro Ateu
Três se despedem ADeus:
O Pai Cristão;
O Filho Pagão;
Eu Hápax.
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TODA SOLTA
Nunca temeu paixão
Nem nostalgia
Nunca sangrou de amor
À luz do dia
Nunca sequer pagou
Rinoplastia
– mas ela é solta dentro do vestido
Quando é que a vida é só
Correr perigo?
Se toda ordem é só
Cera no ouvido
Não quer irmão, nem pai
Não quer marido
– quando ela é solta dentro do vestido
Não tem de vigiar
O que comer
Nem mesmo a ligação
Tem de atender
Tampouco stalkear
Seu pretender
– se ela é solta dentro do vestido
Seja Hilda Hilst, Pagú
Seja Dodora
Ser toda santa, ser puta
Ou ser senhora
Sorrir as pernas pra lua
A qualquer hora
– pois ela é solta dentro do vestido
E não lhe fale que isso
É rebeldia
Pois não lhe cabe essa
Distopia
Não tem carimbo ou cruz
Sua virilha
– porque ela é solta dentro do vestido
– se ela é solta dentro do vestido
– quando ela é solta dentro do vestido
– é toda solta dentro do vestido...
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VISTO POR CIMA
Na Primavera do Cerrado
As Sibipirunas tecem
Seu tapete dourado
Por entre as veias da Getúlio Vargas
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A PORTA DO QUARTO ESTÁ ABERTA
Não sou eu a fechar
A porta aberta do quarto.
Lá dentro,
Oito pequenas caixas de um espólio
Ainda não resgatado ou dividido.
Ficaram a cama, a TV
Uma cômoda vazia,
O criado-mudo esquecido,
E um vazio repleto de lembranças.
Olvidados os gritos e xingamentos.
Não mais a faca, a cadeira ébria no ar
Ou o revólver prateado calibre 22.
Apenas o pranto de um final emudecido.
A vista embaçada
O olhar caído
A incerteza intacta
A cera no ouvido.
Não havia sabedoria naquele semblante,
Apenas dor e consciência.
Mas o que é a sabedoria, Que não a consciência da dor?
Não há mais trens de passageiros para Araguari;
O almoço de quinze crianças na Cabana do Bosque;
A volta na Kombi;
As mangas e laranjas na beira da estrada.
Não há mais pescarias
De quinze e vinte e um dias
Por rios e cidades esquecidas
Embaixo do lago das usinas.
Paranaíba, Rio das Velhas,
Ribeirão dos Patos, Arantes,
Cachoeira Dourada, São Simão,
Miranda e Martinésia.
A porta do quarto está aberta.
Não serei eu a fechar
A porta do quarto
Que está aberta.
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Título: Escleromorfismo Oligotrófico - Poemas
Autor: V. L. Guimarães Lobo
Prefácio: Joaquim Pedro Ferreira Neto
Posfácio: Samuel Giacomelli
Ilustrações: Tiago Dequete
Revisão Ortográfica: Cleusa Bernardes
Projeto Gráfico: Thiago Carvalho
Assessoria de Comunicação: Gabriela Guimarães
Editoração: Robisson Sete
Editora Subsolo
www.editorasubsolo.com.br
Conselho Editorial:
Cleusa Bernardes, João Carlos Biella, Robisson Sete, Sergio Bento, Thiago Carvalho
Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
L799e
Lobo, V. L. Guimarães
Escleromorfismo Oligotrófico - Poemas / V. L. Guimarães Lobo; Ilustrações de Tiago Dequete; Prefácio de Joaquim Pedro Ferreira Neto; Posfácio de Samuel Giacomelli. – Uberlândia/MG: Subsolo, 2025.
96 p., il.; 14 X 21 cm
ISBN 978-65-88075-78-4
1. Poesia. 2. Literatura brasileira. I. Lobo, V. L. Guimarães. II. Dequete, Tiago (Ilustrador). III. Ferreira Neto, Joaquim Pedro (Prefácio). IV. Giacomelli, Samuel (Posfácio). V. Título.
CDD 869.91
Índice para catálogo sistemático
I. Poesia: Literatura brasileira
Incentivo: Pmic Uberlândia programa de incentivo à Cultura 2025
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